quinta-feira, 30 de junho de 2011

A CELEBRAÇÃO DA LIBERDADE

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                    A CELEBRAÇÃO DA LIBERDADE
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    Desde 06 de maio deste ano, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram por unanimidade o projeto de lei que regulamentou a união estável de casais do mesmo sexo, grupos conservadores e reacionários bradam em alto e bom som em defensa da “moral”, dos “bons costumes” e da “família brasileira".
    Brados que vêm de longas datas: já foram alvo de polêmicas a emancipação das mulheres, a aprovação do divórcio e as pesquisas com células-tronco. Contudo, o que é mais lamentável é o fato dessas pessoas demonstrarem total ignorância com relação ao processo histórico de formação de nossa sociedade, com raízes na civilização ocidental clássica.
    Na Grécia antiga, as mulheres dedicavam-se quase exclusivamente aos afazeres domésticos e por terem “sangue frio”, tinham pouco acesso à vida pública; já os homens, de “sangue quente”, tinham todas as regalias provenientes dessa condição biológica que lhes davam acesso à cidadania e, por conseguinte, acesso incondicional ao conhecimento, à política e à vida pública. Segundo Richard Sennett, “os gregos usavam a ciência do calor corporal para ditar regras de dominação e subordinação”.
Os mil anos que se seguiram à decadência da civilização greco-romana, foram marcados pela dominação cristã e pelo aumento da submissão feminina: a “ciência do calor corporal” deu lugar à “palavra de Deus”. E assim, a sina de dona de casa, mãe e rainha do lar, ganhou contornos religiosos, morais, éticos e, sobretudo, psicológicos: a grande maioria das mulheres passou a defender sua condição de submissão por acreditarem ser natural, portanto, divina.
Ao custo de muitos assassinatos cruéis, abandonos por parte de familiares e companheiros e, é claro, muitos protestos dos conservadores e reacionários, as mulheres foram conquistando sua emancipação: hoje, não só têm direito ao acesso à vida pública, como a igualdade de temperatura corporal. Apesar de algumas ainda aceitarem passivamente um cotidiano que lhes impõe uma jornada tripla, extenuante – durante o dia profissionais bem sucedidas e a noite donas de casa, mães e amantes carinhosas e compreensivas –, não há como negar que as mudanças foram consideráveis.
No final de 1977, os conservadores e reacionários brasileiros diziam que a a Lei Nº 6.515/77 que regulava sobre “os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos” iria acabar com a família, sempre partindo do pressuposto que se tratava de um homem, uma mulher e os frutos dessa união: estrutura inspirada no padrão de família burguesa pregada pela Revolução Francesa e instituída no Brasil, ao longo do século XIX, pelas elites brasileiras. Enfim, nada de natural, apenas política.
Em maio de 2008, novamente uma decisão do Supremo Tribunal Federal  foi alvo de críticas. Entraram em cena os fundamentalistas religiosos para protestar contra a decisão dos ministros, em favor da continuidade das pesquisas com células tronco. O ponto central dos argumentos dos manifestantes foi a defesa da vida, nos fazendo lembrar duas outras longa batalhas entre o pensamento livre o fundamentalismo religioso, 1633 e 1984. No primeiro caso a vítima foi o físico Galileu Galilei acusado pelo Tribunal do Santo Ofício de blasfêmia por defender que a Terra orbitava em torno do Sol; no segundo a vítima foi o teólogo Leonardo Boff e sua Teologia da Libertação.
Já no último dia 06 de maio, o alvo dos reacionários e conservadores foi a regulamentação da união estável de pessoas do mesmo sexo, aprovada pelos ministros do STF, o que não quer dizer que os ministros sejam menos ou mais conservadores, apenas que cumpriram seus deveres de “salvaguardar” o Artigo 5º da Constituição brasileira, que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Levando em consideração que os conservadores e reacionários não conhecem os processos históricos que formaram a civilização ocidental e, portanto, não sabem que os padrões comportamentais, morais e éticos são frutos de construções sociais e, portanto, de relações de poder, sobraria um outro elemento interessante para o nosso debate: partindo do pressuposto que são conhecedores que vivemos em uma sociedade de direito civil constituído, poderíamos então acusá-los de desobediência civil, já que estão protestando publicamente contra uma decisão do STF, tomada para garantir o cumprimento da Constituição brasileira? Vejam bem, o debate se deslocaria: o centro das atenções deixaria de ser os casais do mesmo sexo, pois suas uniões obedecem rigorosamente à nossa Carta Magna, e passaria a ser os conservadores e reacionários que questionam o STF, promovendo um motim contra a Constituição brasileira.
É claro que estou metaforizando a questão, mas faço isso para que os senhores e as senhoras percebam que os padrões comportamentais não são frutos de desejos divinos, do “calor corporal” ou de combinações genéticas e raciais, mas das relações de poder estabelecidas no interior de cada sociedade e dependem de cada momento histórico em questão.
As transformações e as diferenças são bem vindas, pois são pistas de que os padrões comportamentais, muitas vezes impostos por pequenas elites, não foram totalmente vencedores.
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Por TANÍSIO VIEIRA
  Mestre em História pela PUC-SP
Assessor de Planejamento do IMPARH

quarta-feira, 15 de junho de 2011

POEMA ÚNICO


POEMA ÚNICO

Perdoa-me por essa falta de jeito
Essa força selvagem, quando te agrido
Na cama, pelo chão, na casa toda
Dizendo coisas obscenas (a chamar-te atenção)

Perdoa-me por essa indiferença branca
...que torna sem perspectiva a poesia...
Ah! esses acessos doidos e completos
Tão intimos tal qual o lápis sobre o papel (feliz cria)

Perdoa-me por arrancar de ti o mar
E me afogar impunemente em outras águas
Sereno é o teu vulto a me ladear
Como quem assim constrói, na pegada das manhãs,

a pureza do amor – num lento e arrastado bocejar...
Depois vem essa vergonha miúda
Condenações de erros sem acertos
Sobre o travesseiro – em madrugadas de sentinelas afoitas

E quando, no emaranhado de nosso ser,
Os nossos corpos por um grito se libertarem,
Tomaremos da taça o mesmo vinho
Que tão deliciosamente nos absorveu do perdão.

Extraído de: "Santos de Quarentena", de Íris Tavares.
Fortaleza, Editora Expressão, 1992.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O CÓDIGO DA DEVASTAÇÃO



 CÓDIGO DA DEVASTAÇÃO

A CPT (Comissão Pastoral da Terra) tem divulgado que cerca de 400 lideranças responsáveis pela defesa da floresta estão marcadas para morrer.

A morte de Zé Maria na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, Ceará, por denunciar o uso de agrotóxico, e o assassinato de Zé Cláudio, Maria e Dinho, são o fim terrivel de verdadeiras sagas, a exemplo do que aconteceu a Chico Mendes e à Irmã Dorothy.

As violências contra camponeses e os assassinatos deles  retratam o estado de impunidade e a inutilidade dos legisladores, dos operadores da lei e do direito.

A realidade sinaliza uma negação total da competência e do papel das esferas públicas e dos espaços de poder político, como o Congresso Nacional.

Pergunta-se: o que se pretende, de fato, com a tal reforma do Código Florestal? Seria possível imaginar que as nossas florestas representam uma cifra considerada para financiar e patrocinar o que, por lei, não funciona,   o que sem regulamentação permanece?

O debate sobre a reforma do Código Florestal não está desvinculado  da reforma política nem da tributária.

O problema reside na questão fundiária, enquanto não se regularizarem as terras, inclusive, os assentamentos, a matança vai continuar. Regularizar também as reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável gera um custo de alguns milhões de reais.

O que o Congresso representa? O que ele defende?  Os crimes contra  os povos da floresta e os assentados é um troco sujo do sistema de corrupção que faz a maioria dos membros do Congresso defenderem as grandes empresas que concentram a maior parte das terras no país. Menos de 5% do Congresso defende a agricultura familiar, todavia em se tratando da defesa das florestas esse percentual cai para 3%.

A reforma agrária torna-se cada vez mais necessária e urgente. A atual conjuntura em que o país está inserido traz, em destaque, o seu potencial de produtor de alimentos, a capacidade  superdimensionada  do seu rico ecossistema e a grandiosa e diversa fonte de matéria-prima que possui; são esses os componentes que devem nos colocar  em constante alerta. A responsabilidade da sociedade de escolher os rumos e o modelo de desenvolvimento que quer pode, de fato, dar conta das graves distorções sociais e desigualdades acumuladas ao longo do tempo. Qual é o Brasil que queremos construir?

A superação da pobreza passa pela reforma  agrária e pela atualização da velha e podre estrutura agrária brasileira.

Não existe movimento contra a produção de alimentos, afinal o debate da segurança alimentar, que é legítimo em alguns setores do governo e no movimento social, desmistifica o boato de que veio para confundir e jogar uma parte da sociedade contra a outra.

Há séculos que a bancada ruralista, dos currais e das porteiras, se movimenta e nega e não reconhece as politicas públicas que contribuem para fortalecer a agricultura familiar, responsável pelas  experiências agroecológicas e orgânicas, livres dos agrotóxicos, que hoje é responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros.

Chega de impunidade! Durante séculos, o berço ruralista e latifundiário  bebeu e se lambuzou, à vontade do  sangue e da carne dos inocentes. Como perdoar aos senhores de terra, aos assassinos dos ecossistemas, aos destruidores da Terra, nosso planeta, nossa casa comum? Eles merecem perdão?

Íris Tavares
Hitoriadora, Diretório Estadual do PT.
Presidente do IMPARH.